Nada se Pode Comparar Contigo
Manuel Maria Barbosa du Bocage


O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A Deusa das paixões e de Citera;

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera.
Nada se pode comparar contigo.

Bocage, in 'Sonetos'
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Portugal
1765 // 1805

 


Soneto 37

A teus pés, meu bem, rendido,
Confirmo os votos que a traição manchara,
Fumam de novo incensos sobre a ara,
Que a vil ingratidão tinha abatido.

De novo sobre as asas de um gemido
Te of'reço o coração, que te agravara;
Saudoso torno a ti, qual torna à cara,
Perdida Pétria o mísero banido;

Removemos o nó, por mim desfeito,
Que eu já maldigo o tempo desgraçado,
Em que a teus olhos não vivi sujeito;

Concede-me outra vez o antigo agrado;
Que mais queres? Eu choro, e no meu peito
o punhal do remorso está cravado.

Bocage, in 'Sonetos'
Manuel Maria Barbosa du Bocage

 



Manuel Maria Barbosa du Bocage
nasceu em Setúbal em 1765.
a sua mãe, de origem francesa, deu-lhe o
apelido. Do pai, o advogado José Luís Soares Barbosa,
poeta nas horas vagas, leitor de Young, terá recebido,
como o próprio diz, a sã doutrina...
caudal cristão de méritos fulgores...
Órfão de mãe aos 10 anos, faltou-lhe a força suave
que poderia corrigir-lhe a irrequietude do temperamento.
Deixa as aulas de latim aos 14 anos, para assentar
praça no regimento de Infantaria 7.
À severidade dos estudos da Sala do Risco,
do Arsenal, desde logo preferiu a frequência do
Agulheiro dos sábios, no Rossio. E esses primeiros
cinco anos de Lisboa em grande parte
decorreram na boémia: tertúlias de café, arruaças,
doestando frades, nos outeiros, enfeitiçando freiras.
Em 1786 parte para a Índia, com escala pelo
Rio de Janeiro, onde teria ficado, se o
Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa
tivesse acedido ao seu apelo. Este percorrer dos velhos
caminhos da glória do seu povo dilata-lhe o peito.
Acompanham-no duas presenças espirituais:
Camões, a cada passo evocado nos versos
d’Os Lusíadas, que inspiram os próprios ou por
eles são decalcados, e Gertrúria,
a quem escreve na Epístola I.
Por uma portaria do Príncipe Regente,
foi promovido a guarda-marinha para os mares do Oriente,
apesar de ter desertado do curso que para tal posto
o preparava. Os poemas que escreve na viagem
dão expressão aos sentimentos que lhe inspiram
a resolução de se dignificar pela carreira das armas.
Chega, porém, a Goa, frequenta a Aula Real de Marinha,
bate-se com valor que lhe merece elogios e a promoção
a tenente de Infantaria, mas não tarda que os
espectáculos da decadência militar e moral
lhe entumeçam a veia cáustica.
Colocado em Damão, logo deserta para a China,
onde, depois de viagem na fome e na miséria,
estacionou em Cantão e chegou a Macau.
Dos próprios versos que ali escreve, ficam evidentes a
simpatia com que é recebido e a generosidade
que lhe facilita o regresso a Lisboa.
Deste seu poder de sedução pessoal dá testemunho a
página que Lord Beckford escreveu sobre um
encontro com o poeta, que mais do que nenhum outro
português impressionou o espírito do britânico frio e irónico.
Já na capital, entra para a Nova Arcádia pelos
seus talentos de poeta, mas, não tardou o
inconformismo do boémio e também a altivez
do Sultão do Parnaso, como foi chamado,
a criar-lhe conflitos com os confrades,
entre os quais Caldas Barbosa, alma da organização.
Preso em 1797 por ideias subversivas do trono e
do altar, vem a transitar da prisão do Estado para
a Inquisição, muito por influência dos amigos,
que lhe conseguem converter o crime político em
manifestação heterodoxa. É, então, enviado para
o convento das Necessidades, onde,
a exemplar actividade dos Oratorianos lhe foi
benéfica no reavivar do francês, latim e italiano.
Uma vez livre, ganha, como tradutor
o seu sustento próprio, bem como o da irmã.
Aos 39 anos, morre Bocage, depois de lhe ter
sido diagnosticada uma doença que viria a ser
de longa expiação. Na perspectiva da morte inevitável,
o poeta, minado por um aneurisma, perde toda a
antiga agressividade, reconciliando-se até com antigos
rivais e inimigos, de entre os quais, José Agostinho de Macedo,
contra quem escrevera uma das suas
mais célebres composições:
Pena de Talião. Reconcilia-se ainda com
Deus, nos seus sonetos
Meu ser evaporei na lide insana... e Já Bocage não sou...

Pesquisa by Mary Trujillo

 

 

 



 

 

 

 

 
   

 

 

 

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Mary Trujillo

 

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